Ferreira Gullar
Após um processo de impeachment que durou cerca de nove meses, a
presidente Dilma Rousseff teve que deixar o governo. Esse é um fato de
grande importância, pois assinala o fim da hegemonia política do Partido
dos Trabalhadores e de seu líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva.
Deve-se observar, ainda, que a deposição de Dilma importa igualmente ao
fim do regime populista no Brasil, a exemplo do que aconteceu na
Argentina e ameaça ocorrer também na Venezuela, na Bolívia e no Equador.
A identificação desses governos ficou evidente durante o tempo em que o
PT governou o país. E mais evidente se tornou, agora, após o
impedimento de Dilma Rousseff, quando os governantes populistas
retiraram seus embaixadores do Brasil, como protesto à deposição da
presidente petista.
Esse é um fenômeno tipicamente latino-americano, de que o exemplo mais
notável é o socialismo bolivariano inventado por Hugo Chávez. O
populismo de esquerda surgiu em decorrência do fim do regime comunista
em escala mundial, como uma alternativa encontrada pelos movimentos
radicais que nasceram inspirados na revolução cubana. Uma opção, até
certo ponto, coerente.
No caso brasileiro, Lula, ao assumir a Presidência, deu início a uma
série de programas visando melhorar as condições de vida de setores mais
carentes da população, e disso resultou a ampliação de sua
popularidade, possibilitando que se reelegesse e, em seguida, elegesse
Dilma Rousseff, que nunca havia sido sequer vereadora.
Acontece, no entanto, que a adoção por programas populistas
inevitavelmente conduziu os países que o adotaram à crise econômica, uma
vez que, enquanto aumentam os gastos do Estado com os programas
sociais, pouco ou nada investem no crescimento econômico do país.
O populismo lulista oferece-nos alguns exemplos da ineficácia desse
procedimento, que visa, na verdade, conquistar os votos dos setores
carentes da sociedade para se perpetuar no poder.
Outro fator agravante dessa política populista é a ampliação do consumo,
pelas camadas mais pobres, de bens como aparelhos de televisão,
geladeiras e até mesmo automóveis. Para viabilizá-lo, o governo reduziu
os impostos e emprestou dinheiro público a empresas, a juros abaixo do
valor de mercado. A consequência inevitável de tal política era, sem
dúvida, a crise econômica. E ela veio.
Dilma Rousseff, ao depor na segunda-feira, 29 de agosto, sugeriu que o
processo a que respondia no Senado Federal era equivalente à repressão
que sofreu na época da ditadura militar. Trata-se evidentemente de um
disparate, uma vez que o processo atual baseou-se num dispositivo
constitucional. Por outro lado, as acusações que lhe foram feitas
tiveram a confirmação objetiva de técnicos do Tribunal de Contas da
União.
Não obstante, tanto no pronunciamento inicial como nas respostas que deu
aos senadores favoráveis ao impeachment, afirmou repetidamente que era
vítima de um golpe parlamentar. Por isso, segundo ela, o que estava em
jogo ali, naquele julgamento, era o regime democrático brasileiro.
Tratava-se, sem qualquer dúvida, de uma afirmação descabida, uma vez que
não apenas o crime de responsabilidade que cometeu foi atestado por
autoridades de indiscutível isenção, como, no curso do processo, pôde
ela se valer de todos os recursos em sua defesa, como é facultado aos
réus no regime democrático.
Tanto ela quanto os dirigentes do PT sabem disso. Não obstante, insistem
em se colocar, diante da opinião, como vítimas de um golpe arbitrário
e, portanto, antidemocrático. Desse modo, tanto ela quanto eles, que
nunca morreram de amor pela "democracia burguesa", tentam apresentar-se
como seus defensores agora, quando as bandeiras que empunhavam já não
empolgam muita gente.