Através do poder
Resenha do livro de Nildo Viana “O que
são Partidos Políticos?”*
Rafael Saddi Teixeira**
O livro O que são
Partidos Políticos? do sociólogo Nildo Viana é mais uma excelente obra
deste autor. Para nós, a sua importância se faz devido, primeiramente, à
relevância dos partidos políticos na sociedade moderna, e, em segundo lugar, ao
estado atual e tradicional dos estudos sobre o tema.
O partido político tal como surge e se desenvolve na
sociedade moderna tem ocupado papel fundamental no âmbito político, econômico e
cultural.
Na definição da vida política humana, o partido se tornou o
principal instrumento através do qual os homens lutam pelo poder político. Os
fins últimos desta luta podem tanto ser de caráter pessoal (cargos, controle,
dinheiro, glória, etc.) como ideal (defesa de uma causa, interesse nacional,
socialismo, etc.). Os meios para ela podem ser parlamentares através do sufrágio
na democracia burguesa (tais como os meios do partido burguês e
social-democrata), como também insurrecionais (tais como os meios do partido
bolchevique).
Ao mesmo tempo que o partido se tornou o principal meio de
acesso ao poder político, no âmbito cultural, as representações sobre o partido
fazem dele o principal meio de participação política. Isto se deve a um
conjunto de crenças que pretendem o monopólio da política pelo Estado, que
passa a ser entendido como a instância política máxima, e o monopólio da
participação política pelo partido, como o lugar principal para quem pretende
interferir na política. Toda transformação se torna reduzida a quem detém o
poder sobre a estrutura estatal. Toda dedicação à transformação da realidade se
torna submissa à dedicação à vida partidária.
O partido, dotado dessa importância política e cultural, não
deixa de ser um instrumento formador de concepções. Ele faz análises, elabora
programas, produz conceitos, estabelece visões de mundo. Neste sentido, o
partido é também um instrumento cultural, que ao se apropriar do poder
político, possui todo um aparato humano e material eficiente para impor a sua
visão de mundo. Tendem, portanto, a reforçar a crença do monopólio da política
pelo Estado e pelo partido e de uma visão pautada na existência necessária de
dominantes e dominados.
No âmbito econômico, o partido exerce um papel relevante:
garantir o sustento dos seus próprios quadros. Em troca de dedicação e
lealdade, o partido fornece cargos aos seus membros e propiciam, assim, uma
renda fixa para quem se dedica à política. O militante se torna político
profissional, vivendo para a política e da política partidária. Se estabelece a
política como uma luta por controle de cargos, e o partido se torna um meio
para ter a vida econômica estável.
Apesar desta importância político, cultural e econômica do
partido político na sociedade moderna, ainda não há um tratamento sistemático e
adequado nas ciências políticas e na sociologia política sobre o objeto. As
análises teóricas sobre o tema se limitaram, em grande parte, a trabalhos
meramente descritivos e isentos de uma explicação sistemática.
Viana consegue ultrapassar os procedimentos descritivos e
fazer uma análise explicativa dos partidos políticos. Sua principal contribuição
talvez seja a difícil tarefa de construir uma definição de partido político.
Para o autor, os partidos políticos são “organizações
burocráticas que visam à conquista do Estado e buscam legitimar esta luta pelo
poder através da ideologia da representação e expressam os interesses de uma ou
outra classe ou fração de classes existentes.” (VIANA, 2003, p. 12).
Viana percebe, assim, as relações de dominação que compõem
os partidos políticos como organizações burocráticas na divisão orgânica entre
aqueles que detém o poder de mando e aqueles que estão destinados a obediência.
“Uma organização burocrática se caracteriza por funcionar através da relação
dirigentes-dirigidos. Aqueles que dirigem, os burocratas, tomam as decisões e
controlam os dirigidos.” (VIANA, 2003, p. 13).
O autor afirma também que existe em todo partido um processo
de dissimulação-simulação, que se caracteriza pela apresentação de um objetivo
declarado (falso) e um objetivo real. Os partidos
Apresentam um interesse declarado que é falso (“representar”
o “povo”) e omitem o seu verdadeiro interesse (conquistar o poder para
distribuir cargos entre a burocracia partidária e reproduzir o modo de produção
capitalista e alguns interesses específicos e frações da burguesia ligados a um
ou a outro partido)” (VIANA, 2003, p. 19).
Existe para Viana uma relação inevitável entre partido e
classe, de forma que “todo partido é expressão de uma ou outra classe social”
(VIANA, 2003, p. 2003). Para o autor, os partidos não podem representar os
interesses do proletariado, uma vez que estes interesses estão ligados à
destruição do modo de produção capitalista e a instauração de novas relações
sociais. Com a intenção de conquistar o poder estatal através de uma estrutura
burocrática, o partido político está intimamente vinculado aos interesses das
classes dominantes e sua função é a reprodução das relações sociais dominantes.
Esta definição de partido político não pretende abarcar tudo
aquilo que já foi chamado de partido. O partido anarquista, por exemplo, que teve
sua expressão máxima nas concepções de Bakunin e de Malatesta não apresentava
uma estrutura burocrática nem lutavam pela conquista do poder estatal. O Manifesto do Partido Comunista de Karl
Marx se refere não a um partido político tal como aqui analisado, mas àqueles
indivíduos que possuem a ideologia comunista.
O conceito de partido político para Nildo Viana, neste
sentido, apresenta uma definição capaz de compreender um fenômeno específico do
final do século 19 e 20, percebendo a aproximação que existe entre os tipos de
organização política diretamente burgueses, tais como os partidos
tradicionalmente chamados de direita, e diversas organizações políticas
conhecidas como esquerda, tais como a organização bolchevique e
socialdemocrata. Da mesma forma como percebe a aproximação entre estes
organismos, percebe a distância que delas se encontram as organizações
autônomas, não burocráticas, pautadas na auto-organização e que visam uma
ruptura com as relações de produção capitalistas.
* Resenha do livro: VIANA, Nildo. O que São Partidos Políticos? Brasília:
Kíron, 2013, referente à sua primeira edição (Goiânia: Edições Germinal, 2003)
e publicado originalmente na Revista Humanidades em Foco, ano 02, num. 02,
2004.
** Professor da Faculdade de História da
UFG – Universidade Federal de Goiás e Doutor em História/UFG.
----------------------
Publicado em:
Revista Marxismo e Autogestão, vol. 01, num. 01, 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário